Avaliação do custo do diabetes mellitus tipo 2 em uma amostra de pacientes atendidos no centro de diabetes da Universidade Federal de São Paulo

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Data
2014-09-29
Autores
Borges, Natalie Botelho [UNIFESP]
Orientadores
Chacra, Antonio Roberto Chacra [UNIFESP]
Tipo
Dissertação de mestrado
Título da Revista
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Resumo
Observamos que, na média, os pacientes atendidos no setor não se encontram bem controlados. Tanto a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) [25] como a American Diabetes Association (ADA) [26] preconizam HbA1c < 7%, valor que no estudo foi de 8,1% em média, sendo que 75,5% da amostra possuíam média de HbA1c > 7%. Nesse caso, os pacientes deveriam realizar 4 exames de HbA1c ao ano, recomendação válida também caso a terapia para o diabetes tenha sido modificada. No estudo, porém, a média de exames foi de 1,78 por paciente por ano, porém devemos ressaltar que 18,7% dos pacientes não realizaram esse exame nem uma vez ao ano e que 37,3% realizaram apenas um único exame ao ano. A maioria dos pacientes apresenta hipertensão arterial (HAS), e uma proporção um pouco menor da amostra possui dislipidemia, realizando em média 0.96 exame de perfil lipídico por paciente por ano, sendo a recomendação da ADA pelo menos 1 exame por paciente por ano. Uma pequena parcela dos pacientes (8,6%) mantém a condição de fumante, apesar da orientação de parar. Quanto à retinopatia, recomenda-se 1 exame de fundo de olho (FO) anualmente para pacientes com DM2, e em alguns casos pode-se considerar um exame a cada 2 ou 3 anos (se tiver feito exames anteriores com resultados normais). No presente estudo temos uma média de 0,6 exame por paciente por ano, porém não é possível inferir que as recomendações não tenham sido seguidas, pois os exames de anos anteriores não foram avaliados. No caso da nefropatia, temos uma média de 2 exames de creatinina por paciente por ano, frequência superior à mínima recomendada (1 exame anual por paciente). Nas demais complicações, deve-se considerar em primeiro lugar o histórico médico do paciente ou faz-se o exame clínico, já incluso na consulta. A qualidade de vida dos pacientes foi avaliada por meio do SF-36v2, um questionário genérico traduzido e validado no Brasil, composto por domínios específicos que são sumarizados em domínio físico, PCS, e em domínio mental, MCS. Todos os domínios possuem escala de 0 a 100, sendo melhor a qualidade de vida quanto maior a pontuação [27]. O questionário se mostrou adequado para avaliar a qualidade de vida de pacientes diabéticos, embora alguns investigadores aconselhem o emprego adicional de questionário específico para a doença, uma vez que a melhora clínica real não é acompanhada de melhora nos indicadores de qualidade de vida quando se utiliza apenas o questionário SF-36 [28]. Os pacientes avaliados possuem PCS 45,22 e MCS 47,51, pontuações ligeiramente inferiores à média (50) em ambos os domínios e semelhantes aos resultados mostrados no estudo de Poljicamin et. al., que avaliou a qualidade de vida de pacientes diabéticos e hipertensos [29]. Já o estudo de Venkataraman et. al. demonstrou que a qualidade de vida é afetada principalmente pela presença de complicações do diabetes e não tanto pelo diabetes em si [30]. No presente estudo, houve correlação entre a qualidade de vida e a ocorrência de internação, a presença de neuropatia diabética e de HAS e a elevação do nível de HbA1c. Entretanto, a presença de neuropatia e de HAS e a elevação do nível de HbA1c afetam apenas o domínio PCS. Não se observou correlação entre as demais complicações do diabetes, fato que contrasta com a literatura [30, 31]. As internações geraram uma redução de 10 pontos no domínio PCS e de 9 pontos no domínio MCS em relação aos pacientes não internados. Além desse achado, observou-se que as mulheres possuem pior qualidade de vida que os homens, fato verificado em outros estudos na literatura [32, 33]. Os resultados estão detalhados na tabela 1. Os custos do diabetes são altos tanto para a população como para o sistema de saúde [24], e tendem a se elevar com o aumento da prevalência da doença. Estudos mostram que grande parte do custo decorre do tratamento de comorbidades relacionadas ao diabetes e que resultem em internação [6, 34]. Combinando as estimativas para 25 países latino-americanos, pode-se inferir que os custos decorrentes da perda de produção pela presença do DM pode ser 5 vezes maior que os custos diretos [10], embora a maioria dos estudos apresente um custo direto ligeiramente superior ao indireto. Estudo realizado em 1997 pela Associação de Diabetes Americana (ADA) estimou o custo do DM em torno de US$ 98 bilhões nos EUA neste mesmo ano [35]. Já a estimativa feita pela ADA para 2007 nos Estados Unidos foi de US$ 174 bilhões, sendo US$ 116 bilhões relacionados a custos médicos diretos e US$ 58 bilhões atribuídos à perda de produtividade [34]. Foi estimado também que o custo do paciente para o sistema de saúde é mais do que o dobro quando o diabetes está presente, sendo a maior parte deste aumento atribuída às complicações geradas pela doença [36]. No Brasil, foi publicado recentemente o primeiro estudo sobre os custos do diabetes Tipo 2 no Sistema Único de Saúde (ESCUDI). Esse trabalho avaliou 1000 pacientes de diferentes centros distribuídos pelo país, procurando estimar inclusive diferenças entre as regiões Norte, Sul e Sudeste. Chegou-se a um custo anual por paciente de US$ 2108, sendo que 48,2% dos custos diretos foram atribuídos às medicações. Proporção semelhante foi encontrada neste estudo (42%) e no colombiano (47%) [37]. Embora tenha se reduzido a 23% no iraniano [38], ainda foi representativa. Com isso fica claro que uma alteração na forma de avaliação dos custos unitários das medicações influencia muito os custos diretos. No presente estudo, observamos que ao utilizar o Banco de Preços em Saúde do Ministério da Saúde, o valor obtido para as medicações foi em média 4 vezes menor que os preços mínimos presentes na revista ABCFARMA, regulamentadora do varejo. Por outro lado, os custos reais do governo com medicação para diabéticos podem ter sido menores que o estimado se considerarmos que 43% da população pesquisada ainda compram uma ou mais medicações no varejo, ou porque elas não são fornecidas no sistema público ou por que estão em falta. O custo anual das medicações foi de US$ 422 por paciente por ano, sendo US$ 113 referentes às antidiabéticas, US$ 253 aos hipocolesterolinêmicos, US$ 25 a anti-hipertensivos e US$ 31 a outras medicações. Os antidiabéticos mais usados foram insulina NPH (87%) e a metformina (73%). O gasto com tiras reativas para medição de glicemia capilar foi estimado conforme esquema de utilização de insulina e as recomendações da ADA, somando um gasto de US$ 269 por paciente por ano, ou seja, 27% dos custos diretos – devemos ressaltar que exames e consultas médicas somaram 11% do custo direto, o que equivale a US$ 113 por paciente por ano. Observamos 22 internações relacionadas ao diabetes (21 pacientes, um deles internado duas vezes), com tempo de internação médio de 9 dias. Dentre as hospitalizações, 10 foram devidas a problemas cardíacos, 4 relacionadas ao DM descompensado, 3 a problemas renais e 5 a amputação e tratamento de abcesso. Metade da população internada (11 pacientes) possuía 70 anos ou mais, e a outra metade tinha entre 50 e 69 anos. Pouco mais da metade dos internados (12) era do sexo masculino. Em relação ao tempo de diagnóstico do diabetes, os casos se distribuíram da seguinte forma: 5 pacientes haviam tido o diagnóstico há 1 a 4 anos; 3 pacientes há 5 a 9 anos e 13 pacientes há mais de 10 anos, porém essas diferenças, bem como as de sexo, não se mostraram estatisticamente significantes para o número de internações. Observamos que pacientes com macroangiopatia possuem 2,9 vezes mais chance de serem internados do que pacientes sem essa complicação, ao passo que as demais complicações (ou mesmo a quantidade delas) não estavam correlacionadas à internação. Houve uma associação linear entre as hospitalizações e a escolaridade. Os custos relacionados às hospitalizações corresponderam a 14% dos custos diretos, ou seja, US$ 137 por paciente por ano. O estudo mexicano [39] chegou a um percentual semelhante (18%), enquanto o Iraniano [40] apontou uma proporção um pouco menor, 9,5%. Já nos estudos americano [41] e europeu (CODE-2 study) [42], essa proporção foi bem maior, 43% e 55% dos custos diretos, respectivamente, porém neste último a população investigada foi superior, 7000 pacientes. Os baixos custos de internação encontrados neste estudo podem ser devidos ao número reduzido de internações na amostra estudada. As despesas não médico-hospitalares (transporte) foram de US$ 72 por paciente por ano, ou seja, 7% do custo direto, com uma média de 11 viagens por paciente por ano. Metade da população pesquisada, 52%, estava concentrada na Zona Sul (mesma localidade do centro estudado), a segunda maior concentração era na Zona Leste (17%), o que nos leva a inferir, considerando o modelo de funcionamento do SUS, que nessa região não há muitos centros de referência, de modo que uma parcela dos pacientes acaba sendo encaminhada para a Zona Sul. Havia poucos pacientes das demais localidades: 5% da Zona Oeste, 4% da Zona Norte 4%, 2% do Centro, 11% sem informações de endereço e 8% de outros municípios. Estes últimos certamente tiveram um gasto mais alto por viagem (tarifa interurbana). Para os demais, considerou-se que diferenças de trajeto não impactam o preço do transporte dentro do perímetro urbano, uma vez que na época já estava em vigor o sistema de Bilhete Único. Os custos indiretos calculados no presente estudo referem-se à perda de produtividade dos pacientes e de seus cuidadores (quando havia), correspondendo a 45% do custo anual total, ou seja, US$ 831 por paciente por ano. Desse valor, 64% referem-se a trabalhadores, 28% a aposentados /afastados /desempregados/pensionistas, 7% a donas de casa e apenas 2% aos cuidadores. Neste estudo, o custo total do Diabetes Tipo 2 foi de US$ 1844 por paciente por ano, valor inferior aos US$ 2108 (média geral) e US$ 2810 (média para o setor terciário) encontrados no ESCUDI – a disparidade pode ser atribuída, em parte, a diferenças metodológicas. As divergências acima enfatizam a dificuldade de comparação dos vários estudos sobre custo de doença e a impossibilidade de generalização dos resultados devido a diferenças em fatores como demografia e epidemiologia do diabetes, prática clínica, distribuição e disponibilidade dos recursos de saúde, entre outros [43]. A falta de padronização torna igualmente difícil a comparação entre a ampla variedade de estudos de custo do diabetes realizados em países desenvolvidos, visto que as estimativas variam substancialmente dependendo da abordagem utilizada e das variáveis consideradas [40]. Esta pesquisa apresenta algumas limitações, como o fato de ter sido realizada em apenas um centro de diabetes. Embora ele se localize em uma importante capital (São Paulo), os resultados podem não refletir o que ocorre em outras cidades ou mesmo em todo país, pois não há um conhecimento adequado da distribuição regional dos pacientes, do acesso ao centro de saúde e da severidade da doença. Como a seleção do universo pesquisado não foi ideal, alguns vieses podem ser observados, como a predominância de aposentados na amostra e a pequena quantidade de pacientes em diálise. Por essas razões, os resultados desta pesquisa podem não refletir a média de custo real dos pacientes com diabetes Tipo 2 ambulatoriais em todo o país. Além disso, os custos indiretos podem ter sido subestimados tendo-se em vista que nem todo dano causado pelo diabetes foi considerado. Há custos intangíveis como dor e sofrimento que não podem ser mensurados. A partir dos dados deste estudo, conclui-se que pacientes com neuropatia diabética e hipertensão arterial possuem redução da qualidade de vida no aspecto físico. Pacientes internados tiveram uma redução média de aproximadamente 10 pontos na qualidade de vida em ambos os domínios estudados, e as mulheres apresentaram pior qualidade de vida que os homens. No presente estudo, o custo do diabetes pode ter sido subestimado principalmente pelo fato de a tabela DATASUS ter seus preços congelados há vários anos. A crescente incidência e prevalência do diabetes evidenciada pelos estudos epidemiológicos no mundo todo (IDF) [44] acarreta aumento no número de pessoas que utilizam o sistema de saúde de cada país. A maior parte desses sistemas – inclusive o SUS, no Brasil – é incapaz de absorver tal acréscimo de demanda, de modo que se torna essencial melhorar as intervenções para prevenção do diabetes e suas complicações. Os trabalhos apresentados sobre o custo do diabetes no Brasil proporcionam um panorama da situação atual, porém mais estudos são necessários para se refinar o conhecimento do assunto, a fim de adequar os recursos do setor de saúde, que representaram 9% do produto interno bruto em 2010, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) [45]. Esse percentual é equiparável ao de nações desenvolvidas como Austrália (9,0%), Finlândia (9,0), Irlanda (9,2), Japão (9,2), Noruega (9,3%), Suécia (9,6%) e Reino Unido (9,6%), porém no Brasil a maior parcela desses recursos provém da iniciativa privada, que atende um número consideravelmente menor de pacientes do que o sistema público (SUS). Em 2010, o governo desembolsou 47% do montante total aplicado no setor de saúde, enquanto nos países citados esse percentual foi consideravelmente mais alto: 68,5% na Austrália, 74,5% na Finlândia, 69,2% na Irlanda, 80,3% no Japão, 85,5% na Noruega, 81,0% na Suécia e 83,2% no Reino Unido. A relação entre o PIB e a população de cada país também deve ser levada em conta nessa análise. Assim, enquanto no Brasil os gastos em saúde em 2010 a uma taxa de câmbio média restringiram-se a US$ 466, na Austrália atingiram US$ 3545, na Finlândia US$ 2947, na Irlanda US$ 2933, no Japão US$ 3179, na Noruega US$ 6875, na Suécia US$ 3816 e no Reino Unido 2908.
Descrição
Citação
BORGES, Natalie Botelho. Avaliação do custo do diabetes mellitus tipo 2 em uma amostra de pacientes atendidos no centro de diabetes da Universidade Federal de São Paulo. 2014. 286 f. Dissertação (Mestrado) - Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, 2014.