Nem herói, nem vilão: elementos da prática médica na atenção básica em saúde

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Data
2015-10-26
Autores
Reis, Denizi de Oliveira [UNIFESP]
Orientadores
Cecilio, Luiz Carlos de Oliveira [UNIFESP]
Tipo
Tese de doutorado
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Resumo
Introduction: Despite all the improvements in understanding the importance of multiprofessional and interdisciplinary work ? gathered together in the health care team ? physicians remain as central figures for health care production in all levels of the health system, although quite never presenting the adhesion expected from them towards the construction of a universal as well as resolutive basic network. This issue was the starting point for this investigation. The educational background provided by medical schools (framed by the scientific Medical Science paradigm), the continuity of a certain ideal of autonomy within their practice, and their ideological resistance against the proposal of implementing a universal public health care system stand for the most common explanations to defend such non-adhesion ? a main and almost unanimous point for people who work with the management of health services in present-time Brazilian National Health Service (SUS). Objectives: Recognize and bring into question the elements found in medical practice that might contribute to a wider view of the low adhesion to building a primary health care system as defined by the National Primary Health Care Policy (PNAB). Methodology: The study works on data obtained from two qualitative pieces of research. The first research worked on interviews made with managers in two cities of the so-called ABCD Paulista Region, in the State of São Paulo, Brazil, in which the ?medical issue? showed up intensively, especially referring to the hard adhesion on part of medical doctors to the work in primary health care units. This fact was considered by the interviewees as an important stumbling-block for a successful PNAB. The second investigation ? an ethnographic/cartographic piece of research carried out for nearly ten month in three cities, encompassing seven primary health care units ? made use of daily-life medical practice scenarios as registered by the researchers. These scenarios involved spontaneous occasions when medical doctors thought over their own practice "the reflexive doctor", in addition to "medical care snapshots" registered by the field researchers and comments made by the team in reference to the practice of such professionals. The thesis is elaborated on the passage between these two investigations. Results: The feature of being a ?passage? opened the way to the construction of two analytical plans regarding the medical practice. Displaying the viewpoint of managers, the first plan presents the ?villain doctors?, a title derived from the remarkable responsibility ascribed to doctors to explain the dark sides of primary health care. The second plan observes medical practice more closely, in its micropolitical and daily realization. Elements for the characterization of a more complex, weakened, and contradictory professional emerge from this plan as medical doctors witness important transformations in their practice: the anti-heroes. Conclusions: This thesis aggregates new elements that might explain the low adhesion to the construction of primary health by disclosing medical doctors who are seldom aware of the model proposed for primary health care, particularly the space that is reserved for clinical practice; medical doctors who find it difficult to engage in teamwork; ; medical doctors that feel excluded from management processes; medical doctors limited to produce more effective responses for people's demands as their diagnostic as well as therapeutical arsenals cannot deal with the "social issues" that invade the physician-patient relationship; medical doctors who see themselves as exempted from the classic regulatory functions of liberal medicine, among other aspects that can only be perceived as their professional daily life is observed more closely. It was through this ?intimacy? with medical practice, which was made possible by means of the methodological approach adopted in the research, that allowed for the characterization of the medical doctor as not a hero, not a villain, but rather a human, all too human being. Finally, the study suggests that conversational/hearing devices should be experienced with medical doctors to sustain interactive strategies involving medical doctors and the daily-life practices of primary health care units.
Introdução: Apesar de tudo o que avançamos na compreensão da importância do trabalho multiprofissional e interdisciplinar- consubstanciado na equipe de saúde - o médico continua sendo figura central para a produção do cuidado em todos os níveis do sistema de saúde, embora quase nunca apresente a adesão que se espera dele à política de construção de uma rede básica universal e resolutiva. Esse é o problema que foi ponto de partida da investigação. A formação que recebe na Escola Médica modelada pelo paradigma da Medicina científica, a sobrevivência de certo ideal de autonomia na sua prática e a resistência ideológica à proposta de implantação de um sistema de saúde público universal são as explicações mais comumente evocadas para explicar tal não adesão, ponto central e quase unânime da agenda de preocupações de quem se ocupa da gestão e gerência de serviços de saúde do SUS hoje. Objetivos: Reconhecer e problematizar elementos presentes na prática médica que contribuam para uma melhor compreensão da sua baixa adesão ao projeto de construção de uma atenção básica á saúde tal qual definida na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Metodologia: O estudo fez uso dos dados obtidos em duas investigações de caráter qualitativo. Da primeira, fez uso das entrevistas realizadas com gestores de dois municípios do ABCD paulista, na quais a ?questão médica? surgiu com muita intensidade, com destaque para a difícil adesão daquele profissional ao trabalho nas unidades básicas de saúde, fato considerado pelos entrevistados como entrave importante para o sucesso da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Da segunda, de caráter etnográfico/cartográfico, realizado por cerca de dez meses em três municípios paulistas, em sete unidades básicas de saúde, o estudo fez uso de cenas cotidianas registradas pelos pesquisadores que diziam respeito à prática médica. Tais cenas podiam ser tanto quando o médico espontaneamente refletia sobre sua prática (?o médico reflexivo?), como ?flagrantes? da prática médica que o pesquisador de campo ia registrando, ou comentários da equipe sobre a prática deste profissional. Uma tese construída na travessia entre duas investigações. Resultados: O caráter de travessia do estudo propiciou a construção de dois planos de observação da prática médica. No primeiro, aquele que traz o ângulo de visão dos gestores, emerge o que está sendo chamado no estudo do ?médico vilão?, em função da forte responsabilidade que lhe é atribuída para explicar as mazelas da atenção básica. No segundo, aquele que observa a prática médica mais de perto, na sua realização micropolítica e cotidiana, surgem elementos para a caracterização de um profissional mais complexo, fragilizado, contraditório, vivendo as injunções de importantes transformações em sua prática profissional: um anti-herói. Conclusões: o estudo agrega novos elementos para explicar a baixa adesão dos médicos ao projeto de construção de uma atenção básica resolutiva, ao revelar como ele nem sempre tem clareza do modelo assistencial proposto, em particular o lugar reservado para a clínica na atenção básica; que tem dificuldade de integrar-se ao trabalho de equipe; que se sente excluído dos processos de gestão; que tem limitações para produzir respostas mais efetivas para as necessidades trazidas pelas pessoas, já que seu arsenal diagnóstico e terapêutico não consegue lidar com as ?questões sociais? que invadem a relação médico-paciente; que identifica crescentes ameaças à sua autonomia profissional; que se vê expropriado das funções regulatórias clássicas da medicina liberal, entre outros aspectos que só podem ser percebidos quando se observa seu cotidiano profissional mais de perto. Foi essa ?intimidade? com a prática médica propiciada pela abordagem metodológica adotada que permitiu caracterizar o médico como nem herói, nem vilão, mas sim humano demasiado humano. Finalmente, o estudo sugere que sejam experimentados dispositivos de conversação e escuta com os médicos capazes de alimentar estratégias para maior integração do médico ao fazer cotidiano das unidades básicas de saúde.
Descrição
Citação
REIS, Denizi de Oliveira. Nem herói, nem vilão: elementos da prática médica na atenção básica em saúde. 2015. 199 f. Tese (Doutorado) - Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, 2015.