Efeitos do implante de células mononucleares da medula óssea sobre a função cardíaca e o remodelamento do miocárdio remanescente em ratos

Data
2008
Tipo
Tese de doutorado
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Resumo
O Infarto do Miocárdio (IM) é uma das principais causas de morte súbita, insuficiência cardíaca (IC) e perda da qualidade de vida. Como o coração tem capacidade limitada de regeneração, terapias como o implante de células-tronco vem sendo desenvolvidas. O objetivo deste trabalho foi estudar o implante de células mononucleares derivadas da medula-óssea no IM experimental em ratos, avaliando seus efeitos sobre o remodelamento miocárdico, função ventricular global e contratilidade do miocárdico remoto ao infarto. Para tanto, utilizou-se injeção intramiocárdica de células da medula-óssea (BMC) de ratos machos Lewis-inbred, 48 horas após oclusão da artéria coronária interventricular anterior em ratas da mesma linhagem. Após seis semanas, foi analisada função cardíaca global in vivo por ecocardiografia Doppler e avaliação hemodinâmica, seguida do estudo in vitro da mecânica contrátil do miocárdio remanescente representado pelo músculo papilar isolado. Posteriormente, realizaram-se estudos histopatológicos dos processos de fibrose intersticial (coloração com picrossirius red), hipertrofia (volume nuclear do miócito) e densidade capilar (coloração com ácido periódico de Schiff); e avaliação por Western blotting de proteínas envolvidas na contração no tecido remoto ao infarto: Ca2+-ATPase do retículo sarcoplasmático (SERCA2), fosfolamban total (PLB) e fosforilado (PLB-Ser16), trocador Na+ /Ca2+ (NCX), e isoformas α1 e α2 da Na+ /K+ -ATPase (NKA). Os ratos foram distribuídos em infartos moderados (30- 39% do VE = mIM) e grandes (≥ 40% do VE = IM), tratados (grupos mIM+BMC e IM+BMC) ou não tratados (grupos mIM e IM), e comparados ao grupo sem infarto nem terapia (SHAM). P < 0,05 foi considerado significante. A mortalidade durante os procedimentos ou acompanhamento não foi diferente entre os grupos. A análise por PCR identificou cromossomo Y de células de macho implantadas em amostras coletadas de corações de fêmeas desde dez minutos após implante até seis semanas, com intensidade decrescente. Após seis semanas o tamanho do infarto foi discretamente menor em IM+BMC (38 ± 1%) que em IM (44 ± 1%), e também em mIM+BMC (31 ± 1%) comparado aos mIM (34 ± 1% do VE). IM+BMC cursou com menor dilatação ventricular (45 ± 10%) que IM (86 ± 7%) com melhora da fração de encurtamento do VE em 20 ± 9% e menor incidência de hipertensão pulmonar, enquanto mIM e mIM+BMC demonstraram comportamento semelhante. O aumento na pressão diastólica final (PDf) somente detectado em IM (16 ± 2 mm Hg) assim como a depressão da +dP/dtmáx (7.727 ± 367 mm Hg/s) foram prevenidos em IM+BMC (5 ± 2 mm Hg e 9.035 ± 345 mm Hg/s). Os demais parâmetros hemodinâmicos analisados sob condições basais não foram diferentes do grupo SHAM. Entretanto, a sobrecarga pressórica súbita reduziu sensivelmente o volume ejetado em mIM (-46 ± 4%) e IM (-63 ± 4%), mas apenas discretamente em mIM+BMC (-12 ± 6%) e IM+BMC (-20 ± 3%) semelhante aos -9 ± 4% de SHAM. A correlação estabelecida entre aumento na pós-carga e geração de trabalho sistólico mostrou-se positiva nos SHAM (inclinação média de 0,75 ± 0,09) e nos tratados mIM+BMC (0,74 ± 0,12) e IM+BMC (0,52 ± 0,05), mas nitidamente negativa nos grupos infartados sem terapia (mIM: inclinação = -0,38 ± 0,05; e IM: -0,97 ± 0,1). Pelo estudo do músculo papilar, a tensão desenvolvida (g.mm-2) foi deprimida em IM (2,4 ± 0,2) e mIM (3,8 ± 0,4) em relação a mIM+BMC (5,5 ± 0,5), IM+BMC (5,6 ± 0,4) e SHAM (6,1 ± 0,3). Ademais, os coeficientes de inclinação das retas da relação estiramento vs. tensão desenvolvida (g.mm-2 / % do comprimento ótimo) estavam deprimidos nos mIM (0,19 ± 0,01) e IM (0,13 ± 0,02) comparados ao SHAM (0,29 ± 0,02), e normais em mIM+BMC (0,25 ± 0,02) e IM+BMC (0,26 ± 0,03) demonstrando integridade do mecanismo de Frank-Starling no músculo remanescente. Os prejuízos, em mIM e IM, da potenciação pós-pausa de de estímulos, manobra indicadora da integridade da cinética do cálcio no miócito, foram parcialmente prevenidos por BMC. As diminuições, identificadas em mIM e IM, da expressão protéica da SERCA2 (66 ± 7 e 54 ± 6% do SHAM), PLB (72 ± 4 e 52 ± 9%) e PLB-Ser16 (71 ± 6 e 35 ± 10%) foram atenuadas em mIM+BMC e IM+BMC (SERCA2: 84 ± 11 e 94 ± 10%, PLB: 83 ± 7 e 89 ± 7%, e PLB-Ser16: 104 ± 14 e 90 ± 8%). O NCX foi superexpresso em IM (198 ± 29 % do SHAM) e normal nos demais grupos, e enquanto α1-NKA não foi diferente em nenhum grupo, a depressão na quantidade de α2-NKA (mIM: 47 ± 10 e IM: 35 ± 10%) não foi significantemente prevenida com BMC (mIM+BMC: 61 ± 10 e IM+BMC: 63 ± 16% do SHAM). A análise histopatológica mostrou aumento significante do volume nuclear (μm3 ) no miocárdio remodelado de mIM (188 ± 7) e IM (219 ± 9) em comparação ao SHAM (129 ± 8), e prevenção parcial de hipertrofia miocárdica em mIM+BMC (147 ± 8) e IM+BMC (165 ± 8). Já o teor de colágeno intersticial mostrou-se elevado de forma significativa somente nos grandes infartos (2,4 ± 0,1 % da área analisada), mas aparentemente normal em IM+BMC (1,9 ± 0,06 %) comparados ao SHAM (1,5 ± 0,1 %). Na zona de transição entre o infarto e o miocárdio adjacente, além de BMC promover aumento da densidade capilar em mIM+BMC (2.805 ± 109 vs. mIM: 1.933 ± 183 capilares/mm2 ) e IM+BMC (2.702 ± 81 vs. IM: 1.981 ± 115), também houve aumento na relação capilar/cardiomiócito (mIM+BMC: 1,68 ± 0,06 vs. mIM: 1,13 ± 0,02; e IM+BMC: 1,50 ± 0,06 vs. IM: 1,17 ± 0,04). A densidade capilar no miocárdio remoto ao infarto mostrou-se significantemente diminuída nos infartos sem terapia (mIM: 2.924 ± 120; e IM: 2.454 ± 90 capilares/mm2 ) em relação ao SHAM (3.691 ± 248), mas praticamente preservada nos tratados (mIM+BMC: 3.379 ± 103; e IM+BMC: 3.239 ± 129); e também relação entre capilar/cardiomiócito menor em mIM (1,32 ± 0,05 capilar/cardiomiócito) e IM (1,28 ± 0,04) e equivalentes ao SHAM (1,71 ± 0,10) nos grupos mIM+BMC (1,57 ± 0,06) e IM+BMC (1,64 ± 0,02). Finalmente, conclui-se que a terapia com BMC restringe a repercussão pós-infarto observada tanto na função cardíaca global e desempenho ventricular, quanto nos parâmetros de remodelamento estrutural do miocárdio remanescente relacionados à hipertrofia, fibrose e vascularização. Ademais, reduz as alterações moleculares das proteínas relacionadas à cinética intracelular do cálcio preservando, dessa maneira, a função contrátil do miocárdio remoto ao infarto e implante celular. Parece que estes benefícios ocorrem em conjunto com a diminuição da extensão relativa do infarto do miocárdio sem, entretanto, manter dependência a este fenômeno, visto que a maioria dos parâmetros avaliados foi mais eficiente no grupo IM+BMC do que em IM e mesmo em mIM. A reunião destes dados permite sugerir que a terapia com células mononucleares derivadas de medula-óssea pode agir não só sobre o infarto e zona de transição, mas também na melhora da função do miocárdio remoto, provavelmente por ações parácrinas e/ou endócrinas também mediadoras do processo de remodelamento tecidual e celular.
Myocardium infarction is a major cause of sudden death, heart failure with impaired quality of life. Since the heart exhibits limited regenerative capability, alternative interventions as the stem cell therapy have been developed. Our aim was to study the transplantation of bone marrow-derived mononuclear cells (BMC) in the myocardial infarction in rats, evaluating its effects on the global cardiac function, remodeling and contractility of remnant myocardium. The BMC extracted from male Lewis-inbred rats were intramyocardially injected into the border zone of infarct, 48 hours after coronary occlusion in female rats. After six weeks the in vivo global cardiac function was analyzed by Doppler echocardiography and hemodynamics, and the in vitro mechanics of the remnant myocardium by the isolated papillary muscle study. Thereafter, the following histopathological evaluations were performed: interstitial fibrosis (picrossirius red staining), hypertrophy (myocyte nuclear volume) and capillary density (PAS staining); and myocardium content of calcium handling proteins by Western blotting: sarco-endoplasmic reticulum Ca2+- ATPase (SERCA2), total (PLB) and serine16 phosphorylated phospholamban (PLBSer16), sarcolemmal Na+ /Ca2+ exchanger (NCX), and α1 and α2 isoforms of Na+ /K+ - ATPase (NKA). Rats were distributed in moderate (30-39% of left ventricle = mIM) and large MI (≥ 40% of left ventricle = IM), and treated with BMC (mIM+BMC and IM+BMC groups) or saline injection (mIM and IM groups), compared to shamoperated and placebo-treated group (SHAM). P < 0.05 was considered for statistical significance. Mortality during surgical procedures and follow-up was not different among the groups. The polymerase chain reaction identified Y chromosome of implanted male cells in samples collected from female hearts 10 minutes, 2 days, 1 and 6 weeks following therapy, with decreasing intensity. After six weeks, infarct size was slightly smaller in IM+BMC (38 ± 1% of left ventricle) than in IM (44 ± 1%), and also in mIM+BMC (31 ± 1%) compared to mIM (34 ± 1%). IM+BMC exhibited less ventricular dilatation (45 ± 10%) than IM (86 ± 7%) with improved fractional ventricular shortening by 20 ± 9%, while mIM and mIM+BMC were similar. Increased end-diastolic pressure (PDf) in IM (16 ± 2 mm Hg) and depressed rate of pressure raise (7,727 ± 367 mm Hg/s) were totally prevented by BMC (5 ± 2 mm Hg e 9,035 ± 345 mm Hg/s). Under basal conditions, ejective parameters were not different to SHAM. Notwithstanding, sudden pressure overload expressively reduced stroke volume in mIM (-46 ± 4%) and IM (-63 ± 4%) but just minimally in mIM+BMC (-12 ± 6%) and IM+BMC (-20 ± 3%) similar to SHAM (-9 ± 4%). Correlations between afterload stress and stroke work generation were positive in SHAM (mean slope: 0.75 ± 0.09) and treated mIM+BMC (0.74 ± 0.12) and IM+BMC (0.52 ± 0.05), but were negative in infarcted untreated groups (mIM: -0.38 ± 0.05; and IM: -0.97 ± 0.1). On the papillary muscles study, developed tension was impaired in IM (2.4 ± 0.2 g.mm-2) and mIM (3.8 ± 0.4) and preserved in mIM+BMC (5.5 ± 0.5) and IM+BMC (5.6 ± 0.4) compared to SHAM (6.1 ± 0.3). In addition, slope of the length-tension relation was depressed in mIM (0.19 ± 0.01) and IM (0.13 ± 0.02) in comparison to SHAM (0.29 ± 0.02), and normal in mIM+BMC (0.25 ± 0.02) and IM+BMC (0.26 ± 0.03) showing preservation of Frank-Starling relationship. The impaired post-rest potentiation in mIM and IM (denoting damaged calcium handling) were partially but significantly prevented by BMC. The decrement, identified in mIM and IM, on the protein content of SERCA2 (66 ± 7 and 54 ± 6% of SHAM), PLB (72 ± 4 and 52 ± 9%) and PLB-Ser16 (71 ± 6 and 35 ± 10%), were attenuated in mIM+BMC and IM+BMC (SERCA2: 84 ± 11 and 94 ± 10%, PLB: 83 ± 7 and 89 ± 7%, PLB-Ser16: 104 ± 14 and 90 ± 8%). NCX was over-expressed in IM (198 ± 29 % of SHAM) but normal in BMC groups, and while α1-NKA remained unchanged in all groups, diminished content of α2-NKA (mIM: 47 ± 10 and IM: 35 ± 10%) was not prevented by BMC (mIM+BMC: 61 ± 10 and IM+BMC: 63 ± 16% of SHAM). Histological analysis showed significant increase of nuclear volume (μm3 ) on remodeled myocardium of mIM (188 ± 7) and IM (219 ± 9) in comparison to SHAM (129 ± 8), but partial prevention of the myocyte hypertrophy in mIM+BMC (147 ± 8) and IM+BMC (165 ± 8). Interstitial collagen was significantly increased only in IM (2.4 ± 0.1 % of analyzed area), but apparently normal in IM+BMC (1.9 ± 0.06 %) compared to SHAM (1.5 ± 0.1 %). In the border zone, besides promoting enhanced capillary density in mIM+BMC (2,805 ± 109 vs. mIM: 1,933 ± 183 capillaries/mm2 ) and IM+BMC (2,702 ± 81 vs. IM: 1,981 ± 115), cell therapy also increased capillaries/myocyte ratio (mIM+BMC: 1.68 ± 0.06 vs. mIM: 1.13 ± 0.02; and IM+BMC: 1.50 ± 0.06 vs. IM: 1.17 ± 0.04). In the remodeled myocardium remote to infarct, capillary density was decreased on infarcted untreated groups (mIM: 2,924 ± 120; and IM: 2,454 ± 90 capillaries/mm2 ) in relation to SHAM (3,691 ± 248), but almost totally preserved in mIM+BMC (3,379 ± 103) and IM+BMC (3,239 ± 129); capillaries/myocyte ratio was smaller in mIM (1.32 ± 0.05 capillaries/myocyte) and IM (1.28 ± 0.04), but equivalent to SHAM (1.71 ± 0.10) in mIM+BMC (1.57 ± 0.06) and IM+BMC (1.64 ± 0.02). Thus, the data demonstrates that BMC restrained the postinfarction repercussions concerning global cardiac function and ventricular performance, as well as the structural remodeling in remnant myocardium related to hypertrophy, fibrosis and microvasculature. Furthermore, this therapy reduced the calcium-handling protein changes, thus preserving the contractile behavior of myocardium remote to infarct and cell injection sites. The obtained results suggests that the bone marrow-derived mononuclear cell therapy may act beyond the infarct and border zones, also improving the function of remote tissue, modulating interstitial and cellular remodeling probably throughout paracrine and/or endocrine pathways.
Descrição
Citação
SANTOS, Leonardo dos. Efeitos do implante de células mononucleares da medula óssea sobre a função cardíaca e o remodelamento do miocárdio remanescente em ratos. 2008. 157 f. Tese (Doutorado em Ciências) - Escola Paulista de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
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